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A luta do século

Mike Tyson foi o mais jovem campeão mundial a conquistar os cinturões das três principais associações de boxe. Obteve 44 nocautes em sua carreira, sendo metade deles no primeiro assalto. O mais rápido aconteceu em 30 segundos. Fulminante.

Esse grandioso e também polêmico boxeador, em uma de suas citações, poderia servir de alerta a corporações, indústrias e setores que acreditam estar seguros diante das transformações tecnológicas que estamos vivendo:

Todos têm um plano até receberem o primeiro soco!

Essa frase caberia como uma luva para os que se julgam estabilizados e protegidos diante da volatilidade e complexidade da nova economia.

Por mais que o mercado esteja se preparando para as transformações próximas, o impacto vai ser bem maior que o esperado. Assim como a potência de um golpe de Tyson.

Peter Diamandis, um dos grandes nomes por trás do avanço das tecnologias exponenciais e reconhecido como um dos arautos da abundância no cenário global, em suas palestras e aparições profetiza algo parecido. No entanto, com um sorriso nos lábios e uma pitada generosa de otimismo:

Se vocês acham que o ritmo de inovação foi rápido nos últimos anos, gostaria de lhes dizer: vocês ainda não viram nada!

Entre a contundência de Tyson e o otimismo de Diamandis, podemos observar que a marcha exponencial das tecnologias é inclemente, para o bem e para o mal; para a destruição e para a criação. Irrefreável. Inexorável.

Agnóstica e impessoal, não beneficiará ou prejudicará um ou outro setor em especial. A transformação digital já não é uma escolha apenas para os players mais ligados à tecnologia ou capricho de líderes visionários. A transformação digital está mudando, e mudará ainda mais, todas as esferas de nossas vidas. É para tudo e para todos, e muito mais impactante do que se imagina.

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A história recente nos conta que Nokia e Kodak receberam golpes ao estilo de Tyson. Instagram vem enxergando a abundância de Diamandis. Estima-se que valha mais de US$ 100 bilhões. A Blockbuster, também nocauteada, mal teve tempo de ver a Netflix se esquivando das antigas culturas organizacionais e processos burocráticos. Como um ágil peso-mosca, num piscar de olhos, passou de locadora de filme à produtora de conteúdo de sucesso mundial. Com o apoio da tecnologia, está vencendo a luta no entendimento das reais necessidades de seus usuários e vem abalando todo o setor de entretenimento. Continua desferindo jabs rápidos em oponentes que não acreditaram em seu crescimento e impacto. Afinal, pensaram que a mudança ainda estava distante.

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Estamos no mundo mais desafiador que já vivemos em toda a nossa história. As manifestações tecnológicas estão ficando cada vez mais rápidas, mais baratas e menores. Estão mudando as formas como você trabalha em seu escritório ou em seu home office ou em co-working. A tecnologia muda a forma como você consome e produz conteúdo. Como você se comunica e se relaciona com seus clientes, e o mercado onde você atua também sofrerá mudanças. Estamos testemunhando um desenvolvimento em velocidade exponencial, que está desenhando um sistema operacional totalmente novo e por isso sua organização precisará reaprender a fazer negócios.

Ao que parece, os novos sistemas operacionais já estão, pelo menos, nos planos de muitas empresas.

Em pesquisa recente da Deloitte, feita com 1.603 executivos C-level de 19 países, sendo 102 brasileiros (ie, 6,4% do total), foi avaliado como a chamada Indústria 4.0 poderá beneficiar clientes, funcionários, suas empresas e a sociedade como um todo.

Enquanto apenas 20% das respostas mundiais atribuem à tecnologia o papel de grande diferencial estratégico, 39% dos brasileiros consideram os aspectos tecnológicos como diferenciais competitivos — indícios de quão preparadas as empresas acreditam estar para as próximas transformações.



A mesma pesquisa aponta que 50% dos brasileiros (contra 42% da amostragem global) indicam que a adoção de novas e modernas tecnologias em suas empresas está entre suas principais deliberações estratégicas. Constata-se também que, enquanto 39% dos respondentes mundiais preparam-se para o impacto que as novas soluções terão na sociedade, um índice maior de brasileiros (46%) já leva esse assunto às discussões de rotina em suas organizações.

No entanto, numa esfera mais pragmática, somente 49% dos brasileiros, contra 57% da amostragem total, discutem com frequência sobre o desenvolvimento e a criação efetiva de outros produtos e serviços.

O Brasil, portanto, parece estar mais atento que o resto do mundo quando se fala em novidades tecnológicas, seus diferenciais estratégicos e impactos. Mas estaríamos agindo menos que o necessário? Sejam executivos brasileiros ou não, preocupados, formulando planos ou partindo para a prática, a atenção com o futuro nunca foi tão desafiadora.

O renomado futurista norte-americano Thomas Frey, diretor-executivo do DaVinci Institute, especula sobre novas e surpreendentes profissões para os próximos 20 anos. Segundo ele, teremos, em 2040, comandantes de frotas de drones, arquitetos de blockchain e designers de experiências espaciais nos quadros de funcionários das empresas.

A despeito dos ares ficcionais de suas abordagens, Frey nos celebra com uma frase que ilumina toda a importância de estarmos sempre, e cada vez mais, atentos ao futuro:

O jeito que você imagina o futuro muda suas ações no tempo presente.

Portanto, não é apenas o presente que constrói o futuro. O futuro também constrói o presente.

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Lisa Kay Solomon é presidente de Práticas Transformacionais e Liderança na Singularity University. Ela é categórica ao afirmar que achamos que nossa compreensão do futuro é melhor do que realmente ela é. De forma geral, temos somente a impressão de estarmos nos preparando para o futuro.

Nossas perspectivas sobre o que vem por aí ainda permanecem arraigadas em padrões do passado. Os líderes, como regra, não dedicam tempo suficiente para sistematizar novos cenários. Quando o conseguem, descobrem que seus planos contemplam um número surpreendente de variáveis desconhecidas. São pensamentos desafiadoramente complexos para que sejam totalmente compreendidos.

Mesmo assim, Lisa insiste em orientar executivos a pensar como futuristas. Assim teriam mais possibilidades de vitória contra os golpes fulminantes que o futuro promete desferir.

Para tanto, o primeiro passo é identificar as principais forças de alto impacto que modelam e influenciam o negócio. Normalmente elas podem ser divididas em cinco grandes categorias, representadas pelo acrônimo (em inglês) STEEP. São as forças Sociais, Tecnológicas, Econômicas, Ambientais e Políticas. A variação de cada uma dessas forças conduzirá o negócio para um cenário distinto.

Depois que essas variáveis tenham sido identificadas e priorizadas, Lisa sugere cruzar mais elementos, como novas tecnologias, indústrias adjacentes e startups entrantes, por exemplo. Assim seria possível estabelecer um espectro de como as forças tendem a se desenvolver ao longo do tempo.

Embora os futuros derivem todos do momento presente, sendo moldados por um conjunto comum das variáveis identificadas, os resultados especulados são significativamente estruturados e diversos.

Esse leque de expectativas é chamado pelos futuristas de Cone das Possibilidades. Trata-se de um framework desenvolvido em 2003 pelo PhD em Física Teórica Joseph Voros e que hoje faz todo o sentido quando precisamos estudar o futuro.

O Cone das Possibilidades oferece quatro conjuntos de futuro:

Futuros Possíveis: esta é a gama completa de eventos que podem ser desdobrados, ou seja, a totalidade de expectativas futuras.

Futuros Plausíveis: recorte dos Futuros Possíveis; são os cenários que acreditamos sejam possíveis, mas ainda não totalmente prováveis.

Futuros Prováveis: recorte dos Futuros Plausíveis; são os eventos mais prováveis que aconteçam de fato.

Futuros Desejáveis: refere-se ao recorte específico que se deseja alcançar. Não é necessário que esteja totalmente no conjunto de Futuros Prováveis, podendo avançar para o conjunto de Futuros Plausíveis, mas nunca ultrapassando os limites dos Futuros Possíveis.



Este exercício estratégico pode ser esclarecedor para os líderes ou mesmo trazer perguntas incômodas sobre o futuro:

Sua organização está focando somente o Futuro Desejável e negligenciando as demais possibilidades? Sua organização está preparada para toda a grandeza do Futuro Plausível?

Sobretudo para olhares tão acostumados a perceber o futuro como mera continuação do passado e do presente, essas questões realmente podem soar desconfortáveis. Afinal, como apostar num futuro sem conhecimento de todos os dados e fatos?

A boa notícia é que a adaptabilidade humana é fantástica e podemos (e devemos) aprender a superar o medo do desconhecido. Segundo Lisa, todos somos capazes de nos tornar futuristas melhores. Ao fazer isso, nós não apenas projetamos novas possibilidades, mas também fortalecemos novas esperanças. Ao exercitar o pensamento futurista, construiremos organizações mais flexíveis, adaptáveis e resilientes para o tão temido e, ao mesmo tempo, abundante futuro.

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Estamos todos apreensivos. Indivíduos, empresas e corporações estão planejando suas estratégias para lidar com as mudanças trazidas pelas novas tecnologias. O golpe virá, mais cedo ou mais tarde, e certamente com uma potência avassaladora que colocará os planos à prova. Como fazia Tyson.

E como sempre em nossa história, nas lutas de boxe ou nos embates entre a velha e a nova economia, haverá vencedores e perdedores. Basta sabermos quem vai assimilar o impacto e quem será nocauteado.

Os campeões serão definidos, sobretudo, pela capacidade de aprender a pensar e agir de forma diferente.

Ding! Ding!

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