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O jogo mudou: por que precisamos de novas regras para a exploração espacial

A primeira expedição humana a Marte pode ocorrer dentro de cinco a dez anos. A tripulação será composta principalmente por voluntários, com o objetivo de estabelecer uma colônia no planeta vermelho e, eventualmente, tornar a viagem a Marte disponível para todos.

Os cientistas estão esboçando simulações de janelas de lançamento ideais (ou seja, a trajetória orbital mais eficiente em termos de combustível), executando análises em potenciais locais de pouso e estudando a utilização geral de recursos in situ para tentar determinar como os primeiros habitantes podem fazer uso de ativos marcianos para sustentar a vida humana.

Mas, antes que os primeiros exploradores ponham os pés em Marte, existem outros assuntos igualmente pertinentes que precisam ser resolvidos. Uma das primeiras ações deve ser determinar um “livro de regras de Marte” e assinar um contrato detalhando esse acordo. Isso é crucial para garantir uma decolagem bem-sucedida da Terra, bem como uma descida e pouso exitosos no planeta vermelho. No entanto, a exploração espacial agora tem uma nova estrutura e jogadores diferentes em relação ao passado, tornando mais complicado definir e fazer cumprir as regras.

Precedente Histórico
O Tratado do Espaço Sideral foi assinado em 1967, sendo os signatários iniciais os Estados Unidos, o Reino Unido e a antiga União Soviética. O documento afirmava que os corpos celestes e o espaço não estavam lá para serem tomados; nenhuma das partes do tratado reivindicaria soberania sobre o espaço, os planetas ou outros objetos do sistema solar. Além disso, quando os EUA e a URSS estavam envolvidos na Guerra Fria, armamento no espaço foi categoricamente proibido.

Durante as três décadas seguintes, a pesquisa espacial foi conduzida por países e não por entidades privadas. Em 1991, o colapso da União Soviética fortaleceu ainda mais a liderança dos Estados Unidos e, em 1998, um esforço colaborativo multinacional resultou no lançamento da Estação Espacial Internacional.

Durante a última década, os programas espaciais começaram a pesar nos orçamentos governamentais, aprofundando os déficits. Em 2012, durante a presidência de Barack Obama, a NASA teve teve um corte de quase 40% do seu programa de exploração robótica de Marte.

Em contrapartida, após a crise global de 2008, os retornos financeiros das empresas Big Tech dispararam à medida que seus produtos e serviços se tornaram onipresentes em nossa vida cotidiana. Logo depois, o impulso do setor privado para o espaço foi acelerado.

Espaço como Negócio
Empresas privadas dedicadas à exploração espacial começaram a fazer grandes planos para um futuro não muito distante. A Virgin Galactic anunciou que até 2023 transportaria turistas ao espaço em intervalos de 32 horas. Elon Musk disse que até 2050 a SpaceX enviará um milhão de pessoas para colonizar Marte, lançando três foguetes de classe Starship todos os dias com 300 pessoas a bordo de cada um. Jeff Bezos planeja converter seu ganho financeiro pessoal com a Amazon em conquistas de exploração espacial de alto impacto; ele vende US $ 1 bilhão em ações da Amazon a cada ano para financiar o empreendimento de foguetes da Blue Origin.

A NASA confiou vários aspectos de seu programa espacial ao setor privado. Enquanto isso, outros países estão acelerando seus programas estatais de exploração espacial. A meta de curto prazo da Índia é enviar astronautas à órbita da Terra até o final deste ano. Eles também planejam entrar na corrida para colonizar a lua e, em seguida, Marte.

A China pretende estabelecer sua própria estação espacial até 2022, e os Emirados Árabes Unidos – que lançaram a primeira missão a Marte em julho de 2020 – viram recentemente a sonda Hope entrar na órbita do planeta vermelho com o objetivo de estudar a atmosfera marciana.

É evidente que o jogo mudou, já que tanto o setor público quanto o privado atuam no mercado espacial. Hoje, o setor privado parece liderar o esforço ao mesmo tempo em que gera receita como resultado dos programas espaciais públicos.

É importante observar que as empresas são movidas por seus respectivos interesses. Quando Musk diz que quer colonizar Marte, ele está falando em nome de uma empresa, não de uma entidade governamental que assinou o Tratado do Espaço Sideral em 1967.

Grandes questões
Muitos empreendimentos relacionados ao espaço – seja transportando astronautas ou lançando sondas exploratórias – já estão em fase de planejamento. A comunidade científica sabe que existem asteroides gigantes de uma riqueza inestimável em ouro, platina, níquel e outros metais preciosos. Estamos falando de corpos planetóides, como o 16 Psyche, com o potencial bruto de gerar uma riqueza superior à arrecadação da economia global.

O Tratado do Espaço Sideral teve como foco a prevenção da militarização e armamento do espaço pelas superpotências mundiais. Contudo, o acordo traz ambiguidade e incerteza quanto à relação à exploração, mineração e monetização comercial de ativos celestes. Os portões da fronteira final estão, portanto, abertos, implorando por respostas às seguintes questões:

Até que ponto as empresas privadas podem explorar ativos no espaço para seu próprio interesse? A quem pertencem os ativos descobertos ou extraídos? Deve haver algum tipo de imposto cobrado? E quanto à regulamentação e aplicação das leis? Certamente teremos um controle rigoroso sobre quem cruzar a Linha Kármán, mas o que acontece quando entramos no espaço sideral?

Se a SpaceX for bem-sucedida, o primeiro assentamento permanente em Marte seria formado por voluntários, que se juntariam ao programa por sua própria conta e risco. Musk disse que “haverá muitos empregos em Marte”. Quem embarca nessa jornada vai enfrentar desafios sociológicos primordiais que envolvem questões relacionadas ao bem-estar individual e coletivo da colônia. As regras acordadas na Terra podem muito bem ser quebradas em Marte.

As pessoas que colonizarem Marte terão seus direitos inalienáveis ​​protegidos? Como ficam a vida, a liberdade e a busca pela felicidade? Tornar-se uma espécie interplanetária oferece uma oportunidade tremenda, mas também um risco enorme.

Seguindo as regras, compartilhando a riqueza
Um novo e moderno tratado semelhante ao Tratado do Espaço Sideral seria um bom ponto de partida para garantir a harmonia entre as nações, práticas justas por parte das empresas e o bem-estar tanto dos viajantes espaciais quanto de todos que permanecem na Terra. Outra opção seria estabelecer um corpo governante transnacional com a tarefa de responsabilizar todas as partes envolvidas na exploração espacial perante um conjunto de direitos e deveres – uma espécie de Nações Unidas para o Espaço, se preferir.

Além disso, uma vez que podemos gerar riqueza substancial com a exploração espacial, devemos definir preventivamente as diretrizes para distribuir esse patrimônio como uma herança global; isto é, além de premiar a iniciativa privada que efetivamente faz acontecer, devemos mandar uma parte do ganho financeiro para o desenvolvimento humano e social na Terra.

Qualquer empresa, pública ou privada, que seja capaz de converter recursos espaciais em riqueza, deve abraçar esta oportunidade histórica de retribuir. O investimento poderia ir para, por exemplo, ajudar a resolver os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, captura de carbono (parte da meta de “Ação Climática”) e outros esforços para corrigir alguns dos danos do Antropoceno.

Se quisermos nos tornar uma espécie interplanetária ou, além disso, continuar a explorar o espaço de maneira produtiva e valiosa, nenhum país ou empresa será capaz de realizar muito por conta própria; cooperação e boa governança serão fundamentais. Devemos começar a pensar na fronteira final como um projeto humano coletivo, em vez de uma competição entre diferentes partes. Quanto mais cedo fizermos isso, mais sucesso teremos tanto na Terra quanto no espaço.

Peter Cabral é expert em mobilidade digital da SingularityU Brazil. Cientista Político especializado em Economia, Gestão de Negócios e Ciência de Computação/Programação, com pós-graduação em Marketing. Expert em Mobilidade Urbana, Smart Cities, PPPs de Infraestrutura e relações com governo, Pioneiro mundial em Soluções de Economia Compartilhada e Gig Economy. Responsável pela implantação de Bike Sharing na LATAM/Brasil e Argentina. Coautor do livro “Mobilidade, Muito Além de Trânsito”, autor de artigos publicados em veículos nos EUA.

Texto traduzido e originalmente publicado no SingularityU Hub

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